A reportagem do jornal “O Globo” que mostra que 71% dos juízes do Brasil recebem acima do teto salarial é um serviço à transparência. O dado, publicado no domingo, abre uma caixa-preta do Judiciário _o poder mais fechado de todos, o que presta menos conta à sociedade.
A divulgação dessa informação permite à sociedade cobrar respostas do Congresso Nacional e do CNJ (Conselho Nacional de Justiça). O teto constitucional de R$ 33.763 é furado graças a brechas legais que transformam pagamentos para moradia, alimentação, viagens e gratificações em verbas indenizatórias. Ou seja, criou-se uma forma legal de desrespeitar a Constituição.
A Lava Jato, por exemplo, criminalizou contribuições eleitorais que foram doadas legalmente. Na aparência, está tudo dentro da lei. Uma empresa contribuiu para o partido ou para o político, que deu em troca o chamado bônus eleitoral. No entanto, esse dinheiro tinha origem numa ilegalidade, segundo a Lava Jato. Parte dessas doações legais serviria a repasse de propina em troca de benefícios públicos.
Juízes e procuradores que ganham acima do teto constitucional usam um expediente muito parecido para furar o teto. Alegam que estão dentro da lei, mas o objetivo é aumentar o próprio salário de modo disfarçado.
O teto foi transformado em piso para uma minoria do Judiciário e do Ministério Público. A maioria fura o limite constitucional. A apropriação indevida de recursos, mesmo obtida por brecha legal, é uma forma de corrupção.
O Congresso e o Conselho Nacional de Justiça poderiam tomar várias medidas. O Senado já aprovou um projeto que determina quais penduricalhos poderiam ser pagos ou não. Na prática, faz uma limpa nessa farra das verbas indenizatórias.
Como mostrou a reportagem do “Globo”, é preciso que seja criada uma Comissão Especial na Câmara para analisar o que pode ou não furar o teto. Mas muitos deputados têm medo de contrariar magistrados e procuradores e fazem um bloqueio corporativo ao exame dessa questão.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, deveria colocar esse projeto no topo da pauta em 2018. A moralização do país não pode ser seletiva.
O CNJ respondeu à reportagem do “Globo” que, por enquanto, só está publicando os dados sobre os supersalários. Ora, o CNJ pode fazer muito mais do que isso, porque muitas dessas verbas indenizatórias poderiam ser anuladas.
O conselho também deveria acabar com a farra da venda de férias dos juízes, que tem 60 dias de folga por ano. Até hoje a punição administrativa máxima a um juiz é o afastamento do cargo com pagamento integral de salário.
O CNJ é comandado pela presidente do Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia. Ela poderia tomar uma atitude em relação à farra do auxílio-moradia, penduricalho concedido a juízes por uma decisão liminar de 2014 do ministro Luiz Fux. O plenário do STF poderia julgar esse caso em definitivo.
São mais de R$ 4 mil pagos por mês a juízes e procuradores com base numa liminar de Fux. Mas o próprio Supremo se rende a um sentimento corporativo e varre essa sujeira para debaixo do tapete.
O Poder Judiciário se comporta como se estivesse acima dos outros poderes e da própria sociedade. Tem uma sede de recursos incompatível com a situação econômica e social do país.
O cidadão comum tira do próprio salário o dinheiro para pagar as suas despesas. Não há justificativa para que juízes e procuradores não façam o mesmo recebendo uma remuneração bem acima da média salarial do país. Os aplicadores da lei deveriam dar o exemplo e não utilizar a própria lei para obter um ganho disfarçado e que contraria a Constituição.
Os combatentes da corrupção no Executivo e no Legislativo precisam fazer o mesmo serviço no Judiciário.
Por Reproduçao CBN/ Kened Alencar