Início Colunista O SISTEMA TRIBUTÁRIO NO BRASIL E SUAS ESPECIFICIDADES
Colunista

O SISTEMA TRIBUTÁRIO NO BRASIL E SUAS ESPECIFICIDADES

O SISTEMA TRIBUTÁRIO NO BRASIL E SUAS ESPECIFICIDADES

TRIBUTO: DOS PRIMÓRDIOS IN NATURA AO PRESENTE PECUNIÁRIO, O PREÇO QUE SE PAGA PELA LIBERDADE.

Desde a chegada dos europeus as Américas, e, por consequência a Terra de Santa Cruz, não faltaram criatividade na criação de tributos. O chamado quinto do pau-brasil foi o primeiro tributo transplantado em terras brasileiras. Ele era pago à coroa portuguesa por todos os tesouros ou achados no Brasil. Seu nome representada a alíquota fiscal e a forma de pagamento (a quinta parte de todo pau-brasil retirado), tendo em vista que a moeda corrente em Portugal não havia sido adotada nesta terra, todos os pagamentos à coroa portuguesa eram feitos em madeira da ibirapitanga[1]. A arrecadação, bem como a fiscalização dos tributos eram feitos pelos servidores especiais denominados de “rendeiros” e seus auxiliares.

Nesta época, os tributos eram pagos in natura, pois não havia qualquer organização fiscal. Com o declínio do comércio de especiarias a partir de 1530, Portugal volta-se para sua mais importante colônia e inova no processo de intervenção, terceirizando o povoamento e as obrigações de infraestrutura à capitães donatários com um loteamento que a História convencionou a denominar de Capitanias Hereditárias, onde o litoral brasileiro foi dividido em 15 (quinze) partes, atribuído a donatários, com direito a sucessão aos herdeiros, por isso este nome. Os tributos nesta época foram divididos em Rendas do Real Erário (Portugal) e Rendas do donatário (capitão-mor e governador).

Com o fracasso de tal sistema, haja vista que somente duas prosperaram (São Vicente e Pernambuco) veio a implantação do Governo-geral, sem maiores mudanças tributárias, mesmo com Tomé de Souza os tributos continuaram sendo cobrados por rendeiros, possuidores de poderes suficientes, inclusive, para prender qualquer contribuinte que negasse a pagar ou que estivesse em atraso com as suas obrigações fiscais.

Para o professor Marcus Abraham[2], no Período Colonial, não existia um sistema tributário organizado. Os tributos impostos pela metrópole abrangiam a vintena sobre a exploração do pau-brasil, especiarias e pescados, os direitos de portagem nos rios, as quintas (20%) sobre o ouro, a prata e as pedras preciosas, e os dízimos (10%) sobre as colheitas e com o comércio exterior.

O Regimento dos Contos regulava o controle fiscal do reino de Portugal entre 1650 e 1761. Em 1761, o conde de Oeiras, depois marquês de Pombal, procedeu a uma reorganização fiscal e à criação, em Portugal, do Erário Régio. Permaneceu, porém, no uso popular, a denominação Contos para designar o Fisco Real. Ao Erário Régio cabia a arrecadação e contabilidade das rendas geradas nas capitanias e nos domínios ultramarinos.

Os cargos de provedores de capitania – criados em 17/12/1548, com a função de fazer cumprir as exigências e normas fazendárias metropolitanas – foram extintos paulatinamente. As Juntas de Fazenda absorveram suas funções e eram diretamente subordinadas ao erário português, presididas pelo vice-rei, na capitania sede da Colônia, e pelos governadores, nas demais capitanias.

A residência de um antigo arrematante dos contratos de entradas e dízimos, João Rodrigues de Macedo, foi adjudicada à Real Fazenda em 1803-1804 como pagamento de dívidas. A edificação, localizada em Ouro Preto, passou a sediar a Junta da Real Fazenda – órgão sucessor da Provedoria e sucedido pela Tesouraria – e ficou popularmente conhecida como Casa dos Contos.

Assim, o dinheiro público era constituído, basicamente, pelo quinto e pelo dízimo. A Carta Régia de 3 de dezembro de 1750 calculava o quinto em 1.456 quilos de ouro anuais. E até 1766 a Colônia conseguiu pagar esse mínimo, às vezes superando-o. A partir de então, a produção começou a baixar. No entanto, a falta de controle das finanças públicas e os gastos crescentes do Tesouro português exigiam constantes aumentos dos impostos sobre a Colônia. Por esse motivo que pouco ou nada difere dos motivos dos atuais governantes – os inventivos administradores da Coroa Portuguesa criaram um imposto extraordinário: a derrama (imposto derramado sobre todos, quando a quantidade de 100 arrobas anuais de ouro não fosse remetida para a Metrópole).

Com a vinda da Família Real em 1808 e o aumento dos custos para sustentar a Corte no Brasil  houve uma ampliação do sistema de cobrança de tributos, ampliando-se mecanismos tais como; imposto sobre importações (24% sobre o valor das mercadorias),  imposto do selo e a regulamentação do Imposto Predial, o qual tributava os imóveis urbanos com uma alíquota de 10% sobre o valor locativo, também desse período o a Contribuição de Polícia, a Pensão para Capela Imperial e o Imposto de Sisa,  que onerava em 10% toda compra, venda e arrematação de bens de raiz.  Veio a Independência em 1822, mas, pouco se alterou do injusto sistema tributário brasileiro, conforme se observa da leitura do artigo 179, XV, da Constituição de 1824, : “Ninguém será isento de contribuir para as despesas do Estado em proporção de seus haveres”.

O SISTEMA TRIBUTÁRIO NO BRASIL E SUAS ESPECIFICIDADES

  1. OS CRIMES TRIBUTÁRIOS NO BRASIL

Durante o Império Brasileiro foram editados o Código Criminal (1830) e o Código de Processo Criminal (1832), não fosse o paradoxo da escravidão o regime adotado com tais instrumentos eram considerados tecnicamente liberais. Antes a efetividade  da punição criminal, no período Colonial, advinham das Ordenações do Reino (Afonsinas, Manuelinas e Filipinas), onde  predominava a severidade extrema  para a maioria das infrações, sobretudo a pena de morte  e mutilações físicas, sendo exemplos concretos e disseminados na História, Filipe dos Santos, único enforcado na  Revolta de Vila Rica; Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, enforcado e mutilado sobre o crime de lesa majestade frente sua  participação na denominada Inconfidência Mineira de 1789 (sendo o delator um devedor do erário real: Silvério dos Reis), como também os executados  da Conjuração Baiana de 1798.

Os novos códigos acabaram com a exposição pública dos condenados com o suposto espetáculo de morte e mutilação, sendo que a pena de morte fora mantida,  sob o argumento da escravidão e a necessidade de produzir  exemplos. Como também há pela primeira vez, no Brasil, a previsão legal para o crime de contrabando  e do descaminho, no artigo 177, título VI dos Crimes contra o Thesouro Publico e propriedade publica:

Art. 177. Importar, ou exportar gêneros, ou mercadorias prohibidas; ou não pagar os direitos dos que são permitidos, na sua importação, ou exportação.

Penas – Perda das mercadorias ou gêneros, e de multa igual a metade do valor deles. (igual ao original) (BRASIL, 1830, s.p.)

Com o Advento da República (1889) a ânsia higienizadora e disciplinadora, ganha força sobre uma dissimulada ode ao positivismo. Tudo passa a ser escrito em forma de leis penais: furto, roubo, apropriações, tortura, abuso de poder, sonegação de tributos, corrupção, tráfico, águas poluídas, mortes no trânsito, no campo, nas favelas, dentre outras tutelas, que seria de perguntar, como é possível ainda existir pessoas em liberdade no Brasil.

Como exemplo, cita-se a modificação no tipo do crime de contrabando, que teve a extinção da pena de multa e a inserção da pena privativa de liberdade:

DECRETO N. 847 – DE 11 DE OUTUBRO DE 1890

PROMULGA O CÓDIGO PENAL

DO CONTRABANDO

Art. 265. Importar ou exportar, gêneros ou mercadorias  prohibidas; evitar no todo ou em parte o pagamento do direitos e impostos estabelecidos sobre a entrada, sahida e consumo de mercadorias e por qualquer modo iludir ou defraudar esse pagamento;

Pena – de prisão celular por um a quatro annos, além das fiscais.

 (igual a original) (BRASIL, 1890, s.p.).

 Em 1940, com o advento do Código Penal, a evasão fiscal não  teve tratamento próprio, sendo que  àqueles que  quem praticasse crimes contra a ordem tributária, por meio de uma interpretação  hipotética dedutiva, poderia ser enquadrado em outros dispositivos do referido Codex, entretanto a maioria das condutas ficaram sem qualquer sanção, diante da não criminalização por parte do legislador.

Tal lacuna, somente encontrou um preenchimento em 14 de julho de 1965, quando, em plena ditadura militar,  fora editada a Lei 4.729, definidora do crime de sonegação fiscal, penalizando condutas que tivessem como elemento subjetivo  do tipo a vontade de suprimir ou reduzir tributo mediante condutas diversas, a exemplo de: inserir elementos inexatos ou omitir rendimentos com a intenção de exonerar-se  do pagamento devido a Fazenda Pública.  Destaca-se a permanência da pena  privativa de liberdade combinada com  a multa pecuniária de duas  a cinco  vezes o valor do tributo devido.

Ao avanço da marcha histórica, no presente contemporâneo, do cidadão comum as diversas personificações jurídicas o poder coercitivo de tributar do Estado se faz presente, com a justificativa de que está exercitando a soberania e protegendo os interesses da coletividade.  Seja por meio da edição de leis com o objetivo de punir crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, seja com as limitações na vida sociedade, criando novas figuras incriminadoras, redimensionando ou tutelando bens jurídicos até então não previstos, a sociedade torna-se mais complexa  ao olhar daquilo que nos primórdios era uma relação de  dívida, admiração, proteção, fidelidade, culto ou oferenda torna-se compulsório, pecuniário, e, uma vez não observado e cumprido, sujeito a sanções  no âmbito civil e penal.  Qual seja pague seu tributo ou seja amigo do “rei” de ocasião!

[1] Nome indígena para o pau-brasil.

[2] ABRAHAM. Marcus. Direito Financeiro Brasileiro. Rio de Janeiro: Elsevier. 2013. 2ª. Ed. p.10-11

Por Erwelter Volkart