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Testemunha do caso Fifa diz que Globo pagou propina por direitos de TV

Em um dos depoimentos mais aguardados do julgamento do escândalo de corrupção da Fifa, em Nova York, o empresário Alejandro Buzarco, ex-homem forte da companhia de marketing argentina Torneos y Competencias, disse que a TV Globo e outros grupos de mídia, entre eles a brasileira Traffic, a Televisa, do México, a americana Fox e a argentina Full Play, pagaram propina em contratos de transmissão de campeonatos de futebol.

O empresário citou ainda o grupo Clarín, mas disse que este foi o único deles que não chegou a pagar propinas.

Ele foi ouvido como uma das testemunhas de acusação no julgamento José Maria Marin, ex-presidente da CBF acusado de extorsão, fraude financeira e lavagem de dinheiro em negociações de contratos com o órgão que controla o futebol mundial.

Em seu depoimento, Buzarco deu detalhes de uma suposta reunião em Buenos Aires há cinco anos onde esteve com Marin.

Segundo ele, na mesa também estariam Marco Polo Del Nero, atual presidente da CBF, Marcelo Campos Pinto, então o executivo do Grupo Globo responsável por negociar direitos esportivos, e Julio Humberto Grondona, o chefe do futebol argentino na época.

No Tomo Uno, um restaurante da capital argentina, teria ficado acordado que Marin e Del Nero passariam a receber juntos US$ 600 mil em propina a cada ano relativo a aos contratos de transmissão da Copa Libertadores e da Copa Sul-Americana. Os valores teriam passado para US$ 900 mil por ano em 2013.

Segundo o delator, esses pagamentos antes eram destinados a Ricardo Teixeira, que acabava de deixar o comando da CBF. Marin e Del Nero, que Buzarco comparou a um par de “gêmeos siameses” por andarem sempre juntos, ainda teriam recebido mais US$ 2 milhões, que Teixeira tinha a receber como propina de outros negócios.

“Marin me deu um abraço, mostrou gratidão e fez um discurso”, afirmou Buzarco.

“Del Nero sacou um caderno e anotou os detalhes. Marcelo Campos Pinto, da TV Globo, estava lá e deu seu aval”, completou o empresário no tribunal de Nova York.

Em nota, o Grupo Globo negou ter feito pagamento de propina.

Buzarco disse ainda que liderou desde 2010 as negociações de pagamentos de propina a seis presidentes de federações sul-americanas na Conmebol, o que então ficou conhecido nas reuniões secretas como Grupo dos Seis.

O delator disse que Ricardo Teixeira era um de seus integrantes, ao lado dos chefes do futebol na Bolívia, na Colômbia, no Equador, no Uruguai e na Venezuela.

O empresário argentino também é réu na investigação conduzida pela Justiça americana. Ex-diretor da Torneos y Competencias, empresa de marketing esportivo de Buenos Aires, ele fechou um acordo de delação premiada com os promotores do caso e ainda aguarda a sua sentença.

Buzarco, que está em prisão domiciliar em Nova York, disse também que manteve a Fox Panamericans informada sobre os pagamentos.

Sua empresa, em associação com a brasileira Traffic numa parceria chamada T&T, financiava pagamentos aos cartolas, com verbas às vezes desviadas da Conmebol.

No tribunal do Brooklyn, diante dos jurados, Buzarco apontou para Marin, além de dois outros réus na corte, o paraguaio Juan Ángel Napout e o peruano Manuel Burga, ex-chefes do futebol em seus países, afirmando que havia pago propina a todos eles.
Marin, Burga e Napout são os únicos de réus entre os 40 indiciados no caso que se declaram inocentes.

O depoimento de Buzarco, portanto, é uma das principais armas da acusação no julgamento que acusa dirigentes do futebol mundial de receber até R$ 500 milhões em pagamentos ilícitos em paralelo a negociações de contratos com a Fifa ao longo das últimas duas décadas.

OUTRO LADO

Em nota, o presidente da CBF, Marco Polo Del Nero, negou “com indignação” que tivesse conhecimento de esquemas de corrupção como os relatados por Buzarco.

“As investigações levadas a efeito naquele país [EUA] não apontaram qualquer indício de recebimento de vantagens econômicas ou de qualquer outra natureza por parte do atual presidente da CBF. Igualmente, o que ali ficou apurado foi que os contratos sob suspeita não foram por ele assinados nem correspondem ao período de sua gestão na presidência da CBF. Esclarece, ainda, que jamais foi membro do Comitê Executivo da Conmebol, mostrando-se também falsa essa informação. Por fim, reafirma que nunca participou, direta ou indiretamente, de qualquer irregularidade ao longo de todas atividades de representação que exerce ou tenha exercido.”

Procurado pela Folha, o Grupo Globo, detentor da TV Globo, negou ter feito qualquer pagamento de propina a dirigentes esportivos.

Em nota enviada à reportagem, o grupo afirma “veementemente” que “não pratica nem tolera qualquer pagamento de propina”.

“Após mais de dois anos de investigação [o Grupo Globo] não é parte nos processos que correm na Justiça americana”, lembra a empresa no comunicado.

O Grupo Globo afirma ainda que conduziu “amplas investigações internas” desde que o escândalo da Fifa foi revelado, em 2015. Nelas, ainda segundo o comunicado, foi apurado que o Grupo Globo “jamais realizou pagamentos que não os previstos nos contratos”.

Mesmo assim, o grupo afirmou que se colocará à disposição das autoridades americanas “para que tudo seja esclarecido”. “Para a Globo, isso é uma questão de honra”, completa a nota.

A Folha tentou contato com Marcelo Campos Pinto, ex-executivo da Globo responsável pela aquisição de direitos de transmissão de eventos esportivos, mas, até o fechamento desta edição, não teve respostas.

A reportagem entrou em contato com a assessoria dos canais Fox para comentar as declarações de Alejandro Burzaco, mas também não recebeu resposta até o fechamento desta edição. A rede de TV mexicana Televisa ainda não se pronunciou sobre o caso.

Até 2012, a Globo detinha os diretos de transmissão exclusivos da Libertadores, nas TVs aberta e fechada. Naquele ano, porém, a Fox venceu a concorrência do grupo e comprou os direitos de transmissão do campeonato para a TV paga.

Veja a nota do Grupo Globo na íntegra:

Sobre depoimento ocorrido em Nova York, no julgamento do caso Fifa pela Justiça dos Estados Unidos, o Grupo Globo afirma veementemente que não pratica nem tolera qualquer pagamento de propina. Esclarece que após mais de dois anos de investigação não é parte nos processos que correm na Justiça americana. Em suas amplas investigações internas, apurou que jamais realizou pagamentos que não os previstos nos contratos. Por outro lado, o Grupo Globo se colocará plenamente à disposição das autoridades americanas para que tudo seja esclarecido. Para a Globo, isso é uma questão de honra. Não seria diferente, mas é fundamental garantir aos leitores, ouvintes e espectadores do Grupo Globo que o noticiário a respeito será divulgado com a transparência que o jornalismo exige.

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